Esse
artigo trata da história da maior madeireira da América Latina no
início do século XX, a Southern Brazil Lumber and Colonization Company.
A Lumber, como era chamada, foi fundada nos EUA e era uma empresa
madeireira e colonizadora, subsidiária da empresa construtora da mais
importante ferrovia do Sul do Brasil, a São Paulo – Rio Grande. A
empresa instalou serrarias a partir de 1911 em área contestada entre os
Estados do Paraná e Santa Catarina e também na região dos Campos Gerais
do Paraná, na divisa com o Estado de São Paulo.
A
serraria principal ficava na localidade de Três Barras, atual planalto
norte de Santa Catarina, e dispunha de maquinário de alta tecnologia e
trabalhadores especializados vindos diretamente dos EUA. Para suprir a
grande capacidade produtiva dessa e das outras serrarias, a Lumber
comprou uma série de fazendas cobertas de florestas de araucária, mas
também habitadas por posseiros que viviam há anos na região. Juntamente
com a chegada da ferrovia, essa situação favoreceu um processo de
especulação de terras e disputas políticas entre coronéis e posseiros
pobres pelo acesso a terra, o que favoreceu a Guerra do Contestado
(1912-1916). A questão da Guerra do Contestado já foi abordada por uma
série de trabalhos, mas a dimensão ambiental da atuação da Lumber não
foi estudada até agora, pois além da atuação violenta contra os
caboclos podemos afirmar que houve também uma atuação violenta da
empresa contra as florestas de araucária da região.
A
Southern Brazil Lumber and Colonization Company, também chamada de
Lumber, é bastante conhecida na historiografia regional catarinense e
paranaense. O motivo é a grande popularidade que o tema da Guerra do
Contestado (1912-1916) tem despertado no interesse do público, tanto
acadêmico como em memorialistas e leitores curiosos por histórias
locais. As últimas duas décadas presenciaram uma grande quantidade de
livros escritos sobre a Guerra do Contestado, no entanto, nenhum
trabalho de fôlego até agora se deteu especificamente na história da
empresa e no seu envolvimento com a devastação da floresta de araucária
na primeira metade do século XX.
A
história da Lumber no planalto sul-brasileiro está estreitamente ligada
a construção da ferrovia São Paulo - Rio Grande, que ligaria Itararé
(SP), passando pelo interior dos Estados do Paraná, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul até a cidade de Santa Maria (RS). Essa ferrovia
significou a possibilidade de vastas regiões do interior dos Estados do
sul, bem como Porto Alegre e Montevidéu terem uma conexão ferroviária
com São Paulo e Rio de Janeiro. A ferrovia cortou extensas áreas
coloniais do sul do Paraná e fomentou a colonização de vastas regiões
“escassamente povoadas” do oeste de Santa Catarina, onde há poucos anos
– até 1895 - essas terras estavam em disputa com a Argentina, na
chamada questão de Palmas ou Missiones. (NODARI, 1999)
Em
1889, o engenheiro João Teixeira Soares adquire a concessão para a
construção da estrada, mediante garantia de juros e terras devolutas em
até
O
Trust Farquhar possuía grandes quantidades de capitais em vários países
do mundo, incluindo na América Latina. No Brasil, o grupo atuava em
várias regiões do país, e em diversos ramos de atividade, com o
estabelecimento de empresas de fornecimento e distribuição de energia,
de navegação, de construção de portos, colonização, frigoríficos,
inúmeras ferrovias e outras. (GAULD, 2006; THOMÉ, 1983, p.71-77) Nilson
Thomé afirma que somente em terras o Trust Farquhar chegou a adquirir 250.000 km² no Brasil. (THOMÉ, 1983, p.75)
Na
época em que a Brazil Railway passou ao comando da construção da
ferrovia, estavam sendo iniciados a construção do trecho União da
Vitória ao Rio Uruguai, e também quase todo o ramal de União da Vitória
a São Francisco do Sul estava por fazer. (THOMÉ, 1983, p.83,110,111)
Essas regiões, hoje contidas no Estado de Santa Catarina, estavam em
disputa com o governo do Paraná, e possuíam amplas extensões de
florestas de araucária praticamente inexploradas e “escassas povoações.”[1]
Antes da Brazil Railway, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande já havia recebido em
a
Southern Brazil Lumber and Colonization Company, para desenvolver os
serviços de colonização das terras ao longo da estrada de ferro, e para
explorar os grandes pinhais existentes na região dos vales dos rios
Negro, Iguaçu, Timbó, do Peixe, e Canoinhas, dentre os principais que
atravessavam a zona contestada por Santa Catarina e pelo Paraná.
(THOMÉ, 1983, p.123)
Além de explorar a madeira da araucária (Araucaria angustifolia),
a Lumber também explorava comercialmente a imbuia, o cedro e a canela,
se bem que numa escala muito menor do que o pinheiro. Durante a década
de
Até 1913, de acordo com Nilson Thomé, a recém criada empresa já havia adquirido cerca de 3.248 km² (ou
O
restante das terras (931 km²) adquiridas na região do atual planalto
catarinense se dividia em diversas glebas que após o acordo de limites
pertenciam aos municípios de Canoinhas, Mafra e Porto União.
Além
dessas áreas, a Lumber ainda adquiriu dois terrenos na região de
Jaguariaíva (PR), próximos a divisa com o Estado de São Paulo e da
Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, onde montou duas
serrarias (Engenho de Cachoeirinha e Engenho de Sengés) destinadas a
explorar a floresta de araucária e mais tarde ser loteadas para venda,
e também uma propriedade menor (
A paisagem do planalto Contestado antes da chegada da Lumber
A floresta
A
floresta de araucária, ou Floresta Ombrófila Mista, ocupava até o final
do século XIX cerca de 200 mil km², distribuídos pelos Estados do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e algumas áreas menores no
Sul de São Paulo e na Serra da Mantiqueira, além da província de
Missiones, na Argentina (divisa com Santa Catarina) e alguns outros
pontos isolados de Minas Gerais. Essas áreas se localizam em altitudes
entre 500 e 1200m nos planaltos do Sul e em altitudes ainda mais
elevadas na Serra da Mantiqueira.
A presença da Araucária ou Pinheiro (Araucaria angustifolia),
com seu tronco reto e sua copa característica, sobressaindo acima da
altura média da floresta, imprime uma fisionomia inconfundível a esse
tipo florestal. Além dessa, espécies como a Imbuia (Ocotea porosa), a Canela lageana (Ocotea pulchella), a Erva mate (Ilex paraguariensis), o Butiá (Butia eriospatha), a Bracatinga (Mimosa scabrella), o Xaxim (Dicksonia sellowiana)
e tantas outras contribuem para a caracterização desse ecossistema. Na
verdade, a grande complexidade da formação florestal, com variadas
composições vegetais conforme a região, e os muitos pontos de contato
entre ela e as florestas “vizinhas”, ou os ecossistemas em seu entorno,
tornam a caracterização da floresta de araucária algo bastante
complicado. Dessa forma, “a delimitação deste bioma é definida
exclusivamente pela presença do pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia)(Bertol) Kuntze.” (CASTELLA, BRITEZ, 2004, p.7)
A Araucaria angustifolia
é classificada na família das Araucariáceas, representadas no mundo
todo, por 2 gêneros (Araucaria, Agathis), com um total de 32 espécies.
Na América do Sul, ocorrem somente duas espécies, a Araucaria angustifolia e a Araucaria araucana,
característica da região de Valdívia, no Chile. O próprio nome
araucária provém, segundo Klein e Reitz, da região de Arauco, no Chile,
habitat da Araucaria araucana.
A Araucaria angustifolia se destaca na floresta de araucária por ser a árvore mais alta do ecossistema, geralmente com troncos retos medindo de
A
época do amadurecimento dos pinhões, mais comumente em abril e maio, é
de grande importância para a alimentação de diversas espécies de aves e
mamíferos, bem como para a própria araucária, que se beneficia da
dispersão das sementes levadas pelos animais.
Interferências humanas antes da ferrovia
A
região do planalto Contestado, atual planalto norte catarinense, passou
por transformações profundas e aceleradas após a chegada da ferrovia e
da Lumber, com a valorização das terras, intensificação
da colonização, difusão de toda uma série de hábitos e costumes
estranhos ao sertanejo que ali vivia e a devastação da floresta de
araucária. A rebelião cabocla do Contestado (1912-1916) foi uma
expressão da tensão social e das súbitas transformações por que passou
aquela sociedade e aquela paisagem.
Com
a ferrovia e a conseqüente valorização das terras, a especulação de
terras na região ganhou ímpeto, gerando uma série de conflitos e
problemas de legitimação, que por sua vez ficaram mais complicados pelo
fato de ser um território em disputa entre as autoridades políticas
paranaenses e catarinenses.
A
história de ocupação humana na região é na verdade bem mais antiga,
como devem ter percebido logo os norte-americanos que vieram trabalhar
na empresa e se estabelecer ali. Após séculos de presença de povos
indígenas na região, tropeiros começaram a se estabelecer a partir do
início do século XIX, principalmente mais próximos a Rio Negro e nos
campos de São João (atual Matos Costa), onde era mais propícia a
criação de gado. Desde o século XVIII, a rota dos tropeiros que partia
do Rio Grande do Sul passava pela região de Rio Negro, a cerca de
Muitos
dos tropeiros, fazendeiros e peões que passavam pela região acabaram
fazendo posse sem se importar com os títulos legais de domínio e
medições ou mesmo legitimando juntamente ao governo do Paraná, pois
após a República as terras devolutas passaram a ser responsabilidade
dos governos estaduais. Com a lei de terras de 1850, o antigo sistema
colonial de concessão de sesmarias havia sido extinto, e agora as
terras deveriam ser compradas, refletindo os novos tempos capitalistas
em que a terra passou a ser considerada uma mercadoria.
Não acompanhamos esse processo de (re)ocupação da terra a partir do século XIX
A
análise dos processos de terra sugere uma ocupação bastante expressiva
das terras do planalto, principalmente as próximas as margens dos rios
Negro e Iguaçu, onde o transporte fluvial em barcos a vapor vinha
facilitando desde a década de 1880, o escoamento da produção de
erva-mate e agrícola em geral. (CARVALHO, 2006, p.117) A descrição das
atividades agropecuárias e extrativas indica que algum nível de
desmatamento já havia ocorrido para formar “campos de criar” e “roças”
de subsistência, principalmente nas áreas próximas aos rios Negro e
Iguaçu, onde as terras eram mais planas e portanto, mais propícias ao
aproveitamento agropecuário.
No
entanto, não devemos exagerar o impacto de tais atividades. Um indício
de que tal processo de (re)ocupação causou uma alteração ambiental
pequena na região é o fato da exploração da erva-mate ser considerada
como a principal atividade econômica da região, o que revela que a
pecuária não era uma atividade tão disseminada assim. Além do mais, a
extração de erva-mate é uma atividade de baixo impacto ambiental, pois
o que se praticava era uma espécie de manejo (poda) dos ervais nativos,
sem uma plantação sistemática e desmatamentos, uma vez que a própria Ilex paraguariensis se adapta muito bem aos ambientes sombreados.
É
importante também registrar aqui que, dos processos de terra
analisados, não foi encontrado nenhum indício de atividade madeireira
na região anterior a chegada da Lumber, pois a ausência da ferrovia
dificultava bastante o escoamento da produção. Um artigo de 1916 do
jornal O Imparcial, de Canoinhas, revela um pouco desse quadro de uma
quase nula exploração madeireira na região e a importância da erva-mate.
O
nosso município, pelas suas opulentas riquezas naturaes assás fáceis de
serem exploradas, está fadado a occupar um logar de destaque na
communhão catharinense. A herva-matte, ora cotada a ínfimos preços, é o
seu único ramo de negócio, hoje. É o seu dinheiro, podemos dizer. É a
roupa e o pão do povo. E, tão extensos e abundantes são os nossos
hervaes, que, nem por isso, serão aproveitados, na presente safra,
siquer pela terça parte. – Extensos, abundantes e de optima qualidade,
basta esse inestimável thesouro, de futuro inegavelmente promissor,
como seguro penhor d’aquella nossa asserção. Mas não se pense que a
riqueza florestal d’este município paira nos seus hervaes, apenas; ahi
estão, para attestar ao contrario, gigantescas imbuias e soberbos
pinheiraes, que, em breve, hão de constituir um grande e lucrativo ramo
da sua industria extractiva. [...](IMPARCIAL, 1916, p.1)
Portanto,
embora existissem alguns posseiros extraindo já uma quantia
significativa de erva-mate e criando uma quantidade de bois e porcos
que poderíamos considerar como pequena, as florestas de araucária
estavam ainda em excelentes condições, se formos julgar as florestas
primárias como o estado desejável de conservação de uma floresta.
Animais hoje extintos da região, como a anta (Tapirus terrestris) viviam em abundância na região, demonstrando também a grande quantidade e diversidade de animais selvagens que ali viviam.
A
caça era considerada uma atividade de “lazer”, não só entre os
sertanejos pobres como entre os coronéis, os grandes proprietários de
terra da região. Além disso, a carne de animais selvagens era
aproveitada na alimentação, sendo comuns os “charques de anta”. As
peles de anta (os chamados couros de anta) também eram aproveitados
para fins como os couros de boi, e portanto, tinham valor no comércio.
E não só a pele da anta, mas de outros animais como jaguatiricas,
caetetus, queixadas, veados e capivaras eram bastante valorizados no
comércio e inclusive eram exportados para países como EUA, Inglaterra e
Suécia. (CARVALHO, 2006, p.172,173; TOMPOROSKI, 2006, p.75)
Em
poucas décadas, com a devastação das florestas, essa grande diversidade
e quantidade de fauna silvestre seria diminuída drasticamente, e em seu
lugar a presença humana seria ampliada, bem como dos animais domésticos.
Essa grande quantidade de vida animal e vegetal, aos olhos das autoridades governamentais e dos empreendedores locais e estrangeiros como Farquhar, precisava ser desbravada, ou seja, estava aberta ao desmatamento das florestas e ao extermínio da fauna. Assim como na legislação, esperava-se que a presença humana se ampliasse e as atividades econômicas se expandissem, pois o sertão não tinha utilidade, valor ou sentido algum por si mesmo. Tal postura favorável ao desbravamento dos sertões ganhava ainda mais respaldo no fato de que a região havia sido palco de uma série de roubos e conflitos violentos como resultado da instabilidade social da guerra do Contestado, sendo que a própria vila de Canoinhas chegou a ser cercada pelos rebeldes. O alegado “fanatismo” dos sertanejos era associado a rusticidade e a “precariedade” do sertão. A solução, como sempre, era o “desenvolvimento” e o “progresso”, através da colonização dos sertões com pessoas de origem européia.
As serrarias da Lumber
Num
contexto de baixa produção madeireira no início do século XX, a
instalação da Lumber no planalto Contestado começa no ano de 1910.
Nesse ano foi inaugurada a primeira serraria da Lumber na estação de
Calmon,
Três
Barras nessa época era administrativamente apenas um quarteirão ligado
ao município de Rio Negro(PR). A empresa se beneficiou da proximidade
da colônia Antônio Olinto, na margem do rio Negro, de onde pode
recrutar mão-de-obra para o funcionamento do engenho.(TOMPOROSKI, 2006,
p.21)
A grande serraria da Lumber
Em
razão do alto custo de manutenção e transporte do maquinário para a
construção do engenho, como já mencionado, do transporte de toras por
grandes distâncias para suprir a grande capacidade produtiva da
serraria, a construção de ferrovias particulares e o alto custo da
mão-de-obra norte-americana, era percebido pelos diretores o elevado
custo de produção do empreendimento. Em várias ocasiões foi sugerida a
divisão do engenho de Três Barras em engenhos menores, que são mais
fáceis de ser desmontados e reinstalados em outros locais após o
esgotamento da madeira. No relatório da empresa de abril de 1917, um
alto funcionário da companhia, W. T. Nolting, apresentou
diversos dados para mostrar como a serraria de Cachoeirinha, em
Jaguariaíva (PR), bem menor do que a de Três Barras, era muito mais
lucrativa do que esta, pois envolvia um custo de produção muito menor.
(NOLTING, 1917, p.4)
A
serraria de Cachoeirinha começou a funcionar em 1916 e era localizada
no km 34 da linha Paranapanema, em Jaguariaíva (PR). No primeiro ano de
funcionamento a serraria estava serrando uma média de
Enquanto
que eu devo admitir que Cachoeirinha tem concorrido com toda sua parte
para augmentar os nosso lucros geraes e deve receber credito para a
maioria da porcentagem, este não era o meu intento quando fazia o meu
Relatório para o mez de Abril. O que eu desejava demonstrar era o que
uma serraria daquelle typo poderia fazer em circumstancias ordinárias
quando não está sobrecarregada com pezadas despezas de administração e
geraes. Infelizmente para Cachoeirinha, enquanto ella precisa suportar
a sua proporção de nossas despezas geraes, nossa intervenção não é
necessária para o seu sucesso. [...] A serraria de Cachoeirinha foi
construída para o fim de reforçar a posição da de Três Barras, e devo
dizer que ella tem feito tudo o que podia esperar della. (BISHOP, 1917b, p.4)
Nesse
trecho citado Bishop apontou que a serraria de Cachoeirinha, embora
construída como um apêndice da grande serraria de Três Barras, acabou
se mostrando mais lucrativa do que esta, e a sua lucratividade poderia
ainda ser maior se as despesas gerais da companhia não fossem tão
altas. Além dos elogios a eficiência e lucratividade da serraria de
Cachoeirinha, superiores a de Três Barras, Bishop também elogia as
condições da propriedade da qual fazia parte o engenho. “O terreno em
Cachoeirinha é de muito boa qualidade e poderá ser vendido por um preço
maior do que pagamos mesmo depois de ter removido a madeira.” (BISHOP,
1917a, p.10)
Tal
afirmação de Bishop revela, além da qualidade do terreno, o baixo valor
que a madeira não beneficiada tinha naquele contexto, pois algumas
décadas mais tarde as florestas passaram a ter um valor monetário
significativo, o que pode ser comprovado pelo grande número de negócios
envolvendo apenas as árvores das propriedades. (CARVALHO, 2006, p.154)
A
poucos quilômetros dali, próximo as margens do rio Itararé e da divisa
com o Estado de São Paulo, a Lumber tinha adquirido a propriedade de
Morungava, no município de Sengés. Ali a Lumber construiu uma serraria
localizada próxima a serra do Paranapiacaba, e como a serraria de
Cachoeirinha, estava localizada em uma região dominada pela floresta de
araucária. Temos poucas informações sobre essa serraria, mas o fato é
que o relatório da Lumber de dezembro de 1919 já menciona a existência
do engenho de Sengés.[4] (BISHOP, 1919, p.39; FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1957, p.486)
Quanto
aos altos custos de produção do engenho de Três Barras, Bishop sugeriu
como poderia ser feita a subdivisão desse engenho, como demonstrou no
relatório de abril de 1917. Além disso, nesse relatório dá para se ter
uma idéia dos ousados projetos da companhia na região do vale do
Iguaçu, onde o ramal ferroviário de São Francisco só seria inaugurado
em setembro daquele ano:
Propriedade Vallões
Com
referência a propriedade de Vallões que consiste de títulos para os
terrenos de Moças, Cruzes, Rio Preto, Vallões e Escada, e que contém,
segundo os títulos um total 21.600 alqueires, estes terrenos custaram
700.133,59 francos e como a Linha de São Francisco da Estrada de Ferro
passa por dentro dessa propriedade numa extensão de mais de cincoenta
kilometros, as facilidades para operações são excellentes, visto que a
Estrada de Ferro accompanha o rio Iguassú e as mattas estão situadas
sobre o mesmo num planalto gradual, facilitando a puxada de toras. Esta
propriedade contém no mínimo um bilhão de pés de madeira em toras para
serra com uma boa porcentagem de imbuia que é de grande valor. O valor
do “stumpage” em taes condições desta qualidade seria muito barata á
Rs.1$500 por mil pés o que importaria em 1:500$000 mais ou menos. O
solo é muito fértil e nas proximidades do rio Iguassú não há logar
melhor para a locação de uma prospera colônia. Nessa propriedade seria
fácil a venda de lotes á 50$000 por alqueire. Por ahi realizareis que
esta propriedade é de grande valor e deverá ser retida á todo custo.
Visto que é uma das propriedades das quaes esta Companhia depende em
tirar maiores proveitos pecuniários. Recomendamos e temos as melhores
intenções de, se formos autorizados, dividir o grande engenho de Três
Barras e estabelecer duas serrarias nesta propriedade depois que o
engenho de Três Barras cortar toda a madeira
A
intenção do diretor de dividir a serraria de Três Barras e construir
uma em Vallões não foi concretizada, mas a Lumber adotou um sistema de
empreitada em que as pequenas serrarias que surgiram na década de 1920
naquela região passaram a vender madeira beneficiada para a companhia a
partir da madeira retirada de suas propriedades. (WEINMEISTER, 1931,
p.4) Também encontramos indícios de que a Lumber tinha a intenção de
construir uma serraria na localidade de Jararaca, antiga Felipe
Schmidt, entre Canoinhas e Porto União, pois no relatório de dezembro
de 1919 aparecem nas contas de capital “despesas preliminares de
exploração da nova serraria em Jararaca.” (BISHOP, 1919, p.8) No
entanto, não encontramos ainda mais indícios de que tal serraria tenha
sido realmente construída. Também chama a atenção a intenção do diretor
em tornar a Lumber apta a controlar o mercado de madeira no Brasil,
questão discutida mais a frente.
No
relatório de abril de 1917 consta que a produção total (em toras) da
serraria de Três Barras nos cinco primeiros anos de funcionamento foi
de pouco mais de 107 milhões de pés cúbicos (ou
A
respeito do destino da madeira serrada pelas serrarias da Lumber
reproduzimos os dados a seguir do relatório de abril de 1917 como
amostra dos primeiros anos da empresa no planalto sul-brasileiro:
Totais até 30 de abril
|
1916 |
1917 |
||
Destino |
Produzido (Pés) |
Vendido (Pés) |
Produzido (Pés) |
Vendido (Pés) |
São Paulo |
|
3.667.315 |
|
4.478.325 |
Rio de Janeiro |
|
1.813.215 |
|
731.271 |
Paranaguá |
|
91.437 |
|
28.129 |
Três Barras |
|
93.155 |
|
217.240 |
Buenos Aires |
|
5.066.812 |
|
4.215.854 |
Montevidéu |
|
481.779 |
|
138.094 |
Curitiba |
|
42.014 |
|
128.212 |
Totais |
9.492.366 |
11.255.727 |
10.749.961 |
9.937.128 |
Fonte: BISHOP, 1917a, p.2.
Note-se
que o total vendido para Buenos Aires correspondia a mais de 40% de
todas as vendas da companhia. Como já demonstramos, toda a madeira
beneficiada em Cachoeirinha era enviada para São Paulo e Rio de
Janeiro, e provavelmente a da serraria de Sengés (Morungava) também,
pois a maior proximidade dessa região com São Paulo reduzia
consideravelmente os custos com fretes. Assim, todas essas vendas para
Buenos Aires eram de certo feitas com madeira beneficiada
Das
vendas efetuadas para São Paulo e Rio de Janeiro, os relatórios mostram
que a companhia tinha vários clientes compradores de madeira em
diversas cidades do interior de São Paulo e Minas Gerais
principalmente. (BISHOP, 1917a, p.25-27; BISHOP, 1917b, p.23-25)
Entre
novembro de 1911 (inauguração da serraria de Três Barras) e abril de
1913, quando o ramal de São Francisco chegou a Marcílio Dias, próximo a
Canoinhas e Três Barras, não temos informações de
como foi feito o transporte de madeira da serraria de Três Barras, se é
que foi feito, já que esse período inicial pode ter sido dedicado
inteiramente a produção e estocagem de madeira. E justamente em
Para a venda de madeira
Além
da ferrovia e do transporte marítimo a Lumber também comprou dois
vapores (o Três Barras e o Porto Velho) para auxiliar no transporte de
madeira e erva-mate, que a partir de 1920 também se tornou uma das
fontes de receita da empresa, inclusive com a exportação para o Rio da
Prata. Os vapores navegavam pelos rios Negro e Iguaçu. (BISHOP, 1919,
p.3)
Todo
esse complexo sistema de transporte de madeira da Lumber, que envolvia
altos custos de manutenção e fretes, apresentava de acordo com o
diretor, freqüentes problemas. O transporte marítimo passou por crises
de falta de embarcações e greves de estivadores
Para
tentar driblar o problema do transporte marítimo a Lumber passou, após
a conclusão do ramal de São Francisco em setembro de
Sobre
a questão da falta de vagões não só a Lumber, mas vários outros
madeireiros se queixavam desse problema para as suas indústrias e que
significou grande deterioração da qualidade de madeira e desperdício da
mesma por excesso de produção. Eram constantes inclusive queixas de
madeireiros de que a empresa administradora da ferrovia (a Brazil
Railway Company) favorecia o transporte da produção da Lumber em
detrimento de outros madeireiros. O Centro dos Industriais de Madeira
do Paraná, um órgão representante da classe madeira naquele Estado,
sintetizou o problema da falta de vagões e a acusação de favorecimento
a Lumber: “Grandes eram os entraves creados ao transporte ferroviário
ao reassumir a direcção do Centro,
Por outro lado, o diretor da Lumber também reclamava da falta de vagões no relatório da companhia:
Nós
desejamos mencionar novamente a seriedade da situação dos vagões e
pedir para que você faça todo o possível para manter-nos supridos com o
necessário número de vagões para transportar nossa produção. Nós
estamos recusando pedidos diariamente simplesmente por que nós não
podemos assegurar vagões para o transporte. Com os preços que nós
estamos agora recebendo por nossos produtos, nós estamos em uma posição
de satisfazer alguns dos benefícios dos nossos trabalhadores mas a
menos que nós possamos assegurar facilidades de transporte nosso
progresso nos preços fará muito pouco. (tradução) (BISHOP, 1917d, p. 8)
Apesar
das dificuldades de transporte e dos altos custos de produção, a Lumber
explorou as florestas de araucária de suas propriedades num ritmo
intenso durante os anos em que operou no planalto norte catarinense e
nos campos gerais do Paraná. Além das serrarias
mencionadas, a Lumber também passou a fazer contratos com pequenas
serrarias em Valões, que cortavam as árvores da propriedade da
companhia e vendiam toda a madeira beneficiada para a mesma.
(WEINMEISTER, 1931, p.4)
Além
da atividade madeireira, outra fonte de lucro da empresa, como está
evidente no seu próprio nome, era a colonização, ou loteamento das
áreas já desmatadas, que completava o processo de devastação iniciado
pelas atividades madeireiras, não permitindo em sua maioria a
regeneração natural das capoeiras resultantes. Se as madeiras mais
valiosas não haviam sido ainda totalmente removidas, a empresa deixava
estabelecido no contrato de venda do lote, a exemplo de outras empresas
colonizadoras, a garantia dos direitos de exploração econômica sobre
tais madeiras. (SOUTHERN BRAZIL LUMBER AND COLONIZATION COMPANY, 1933,
p.35, 36)
Para
manter a disciplina em toda a estrutura montada pela empresa e garantir
a posse da terra através da expulsão dos posseiros, a empresa dispunha
de um corpo de segurança de mais de 300 guardas. (MACHADO, 2004, p.152)
Além
disso, a Lumber se aliou aos coronéis locais e lideranças políticas
importantes do Paraná e Santa Catarina no intuito de administrar os
negócios sem maiores problemas:
A
Brazil Railway e sua subsidiária Lumber desenvolveram um cuidadoso
processo de cooptação das lideranças políticas dos respectivos estados
para evitar embaraços legais e obter facilidades administrativas. O
vice-presidente do Paraná, Affonso Camargo, foi advogado da Lumber
enquanto exercia este cargo público. [...] O jovem advogado lageano
Nereu Ramos, filho do ex-governador Vidal Ramos, era, em 1916,
representante oficial dos interesses da Lumber junto ao governo de
Santa Catarina. (MACHADO, 2004, p.149)
Em
1940, quando havia terminado o prazo dado pelo governo ainda em 1890,
de 50 anos para a colonização e exploração das terras concedidas, o
governo de Getúlio Vargas estatizou todos os bens da Lumber, assim como
todas as outras empresas do sindicato Farquhar. O governo então,
através da Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio
Nacional, "continuou a administrar a Lumber por mais alguns anos,
desativando-a gradativamente." (THOMÉ, 1983, p.138, 139) Todas as
terras e equipamentos da empresa foram vendidas a particulares, com
exceção de uma área de
A Lumber e a história do desmatamento das matas de araucária no século XX
Como
afirmamos anteriormente, é na historiografia sobre a Guerra do
Contestado que a Lumber é geralmente abordada nas pesquisas acadêmicas,
mas as informações geralmente são escassas, revelando muito pouco ou
nenhuma pesquisa de fontes primárias com relação a essa empresa.
(AURAS, 1995; MACHADO, 2004; QUEIROZ, 1966; SERPA, 1999;THOMÉ, 1992)
Independentemente
da historiografia sobre o Contestado, acreditamos que a Lumber merece
ser estudada com outros enfoques. É evidente que não se pode separar
mecanicamente a Lumber e a Guerra do Contestado, pois estão
estritamente relacionados, pelas grandes alterações na paisagem, na
política e na estrutura fundiária da região do planalto. Mas a empresa
estrangeira também se liga a uma dinâmica e fenômeno de longo prazo, e
de importância e interesse igualmente crescente na atualidade, pouco
estudado pela historiografia, que é a questão da devastação das
florestas de araucária no Sul do Brasil no século XX. Nesse sentido, a
empresa promoveu tanto uma atuação violenta contra a população
sertaneja, gerando condições para a rebelião cabocla, quanto no
ecossistema que sustentava essa população, iniciando um processo de
alteração dramática da paisagem, talvez irreversível. Assim,
analisar a história dessa grande empresa estrangeira na sua relação com
o processo histórico do desmatamento das florestas de araucária,
através da abordagem da história ambiental, se revelaria uma
contribuição para a historiografia, até mesmo para os que estudam a
Guerra do Contestado.
As matas de araucária foram habitadas por séculos por indígenas de diversas etnias, causando poucos “impactos nocivos” as florestas. [6]
(BALÉE, 1992, p.35-37) Em muitos locais, por alguns decênios
imediatamente anteriores a chegada da colonização oficial, também
abrigaram-se sob as matas de araucária populações caboclas, cultivando
pequenos roçados, extraindo erva mate e vendendo e criando pequenos
rebanhos de gado.
O
momento decisivo para o início da devastação das florestas de araucária
no Sul do Brasil foi o final do século XIX, com a instalação das
primeiras serrarias no Paraná, a construção da ferrovia
Paranaguá-Curitiba em 1885, e a imigração européia incipiente,
promovendo a "abertura" de terras para a agricultura e pecuária. A
partir daí, a construção de novas ferrovias, a crescente migração,
tanto de europeus, quanto dos descendentes destes das colônias mais
antigas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, promoveram um
avanço crescente em direção às florestas nativas de araucária em todo o
planalto sul-brasileiro. Ao mesmo tempo, proliferaram serrarias,
principalmente a partir da I Guerra Mundial, passando a ser um fator de
grandes oportunidades de negócio frente a crescente demanda por madeira
em outras regiões do país e no exterior. Todo esse processo esgotou as
florestas de araucária por volta da década de 1970, quando a indústria
madeireira passou a realizar plantios de espécies exóticas de rápido
crescimento para garantir a continuidade da atividade. (CARVALHO, 2006)
Nesse
quadro geral da devastação da floresta de araucária, a Lumber teve um
papel preponderante, pois embora com o passar dos anos fosse apenas uma
entre as centenas de serrarias a explorar as matas de araucária no
planalto sul-brasileiro, é importante não perder de vista o papel de
liderança na produção que exerceu por muitos anos, e o exemplo de
competência técnica e industrial que significava.
Existem
funccionando n’este Estado [Paraná], 174 Serrarias com a capacidade de
producção mensal de 2118 vagons equivalentes a 18 milhões de pés
cúbicos ou
PARANÁ
174 Ser. prod. pés/cub. 18.000.000
SANTA CATHARINA
52 Ser. prod. pés/cub. 5.000.000 Total 23.000.000 mensaes,
ou, 276 milhões annuaes incluídas as Serrarias da Brazil Lumber Co. Ld.
A producção das Serrarias desta Companhia está avaliada:
No PARANÁ em pés/cub. 800.000
S. CATHARINA em pés/cub. 2.500.000 (MARQUES, 1919, p.7)
Note-se a produção significativa das serrarias da Lumber em comparação às mais de 200 serrarias existentes no Paraná e
É
preciso também levar em consideração a época da instalação e início do
funcionamento da serraria de Três Barras, 1911, portanto antes da
chegada da ferrovia à região e inauguração do ramal de União da Vitória
a São Francisco do Sul. Nessa época, a produção de madeira de pinho era
ainda muito incipiente, bem como a exportação, e o Brasil até o período
da I Guerra Mundial era grande importador de madeira. (LAVALLE, 1981,
p.46; THOMÉ, 1995, p.110) A atividade madeireira estava em seus
primeiros passos, e muito pouco do conjunto das matas de araucária
havia sido alterado.
Nesse contexto, a Lumber surge como
uma grande empresa em um ramo novo da economia regional e nacional,
quando as técnicas de produção e o volume de produção das serrarias
eram ainda extremamente limitados, e a madeira do pinheiro brasileiro
tinha conquistado poucos mercados. Assim, acreditamos que a empresa
foi, se levarmos em conta o caráter mais artesanal e local dos engenhos
de serra existentes até então, uma espécie de pioneira da indústria
madeireira, que consolidou a trajetória e a utilização das florestas de
araucária no planalto sul-brasileiro, como um ramo altamente lucrativo
de negócio para o capitalista interessado em montar serraria. Essa
hipótese ganha sustentação em um artigo do jornal A Semana, de Três
Barras, de 15 de julho de 1920, em que o autor do texto faz grandes
elogios ao diretor geral da Lumber a época, o norte-americano Sherman
A. Bishop
Atravessando
períodos de dificuldades comerciais, soube sempre o sr. S. A. Bishop
manter, apesar das grandes despezas que pesavam sobre a sua mercancia,
em pouco tempo, de modo verdadeiramente prodigiozo introduziu nas
praças principais do nosso pais e
Um
exemplo da capacidade industrial da Lumber pode ser encontrado nos
dados de exportação de madeira para Buenos Aires no período anterior e
posterior a instalação da Lumber no planalto Contestado. Em 1906 as
vendas de madeira do estado do Paraná para Buenos Aires e Montevidéu,
na época ainda bastante incipiente e cuja indústria madeireira era
basicamente limitada aos arredores de Curitiba, somavam cerca de 60 mil
tábuas de pinho e imbuia e cerca de 8 mil unidades de outros tipos de
peças de madeira (vigas, dormentes, pranchões). Essa quantidade de
madeira vendida era pequena se comparada aos dados de venda da Lumber
para Buenos Aires e Montevidéu poucos anos depois, que alcançavam, tomando como base o ano de 1916 cerca de 15 milhões de pés. (
Essa
tendência de utilização da floresta para transformação em produtos
madeireiros se intensifica justamente nesse momento, como podemos
acompanhar pelos dados a seguir, o que também era viabilizado pela
construção da ferrovia:
Exportação de pinho (1911-1967).
COMÉRCIO INTERNACIONAL |
|
Exportação de Pinho do Brasil |
|
Anos |
Toneladas |
1911 |
4.412 |
1912 |
3.736 |
1913 |
11.932 |
1914 |
5.809 |
1915 |
30.719 |
1916 |
71.126 |
1917 |
45.713 |
1918 |
152.021 |
1919 |
71.621 |
1920 |
84.885 |
Década de 1910 |
481.974 |
1921 |
72.036 |
1922 |
100.774 |
1923 |
143.243 |
1924 |
112.907 |
1925 |
95.844 |
1926 |
79.939 |
1927 |
88.791 |
Década de 1920 |
950.296 |
1937 |
205.262 |
Década de 1930 |
1.594.194 |
1947 |
476.412 |
Década de 1940 |
3.766.140 |
1957 |
769.416 |
1967 |
1.053.900 m³ |
Fonte: INSTITUTO NACIONAL DO PINHO, 1948, p.458. INSTITUTO NACIONAL DO PINHO, 1958, p.11. INSTITUTO NACIONAL DO PINHO, 1968, p.23.
Embora a exportação de pinho tenha freqüentes altos e baixos, devido principalmente a fatores cambiais, de superprodução ou de concorrência com madeiras de outros países, observa-se um espantoso crescimento a partir de 1915, e que tenderá a crescer mais e se manter em patamares elevados até as décadas de 1960 e 1970. Toda essa produção representou ainda por muitas décadas na economia do Paraná e de Santa Catarina o principal produto de exportação. Em nível nacional, a araucária representou também por muitas décadas, a principal madeira exportada pelo país. (HUECK, 1972) Se a ferrovia e o aparecimento dos caminhões (principalmente a partir da década de 1930) permitiram o desenvolvimento da indústria madeireira sulina, incluindo aí a Lumber, é preciso mencionar também que a capacidade limitada da quantidade de vagões que a empresa ferroviária fornecia, assim como as péssimas estradas de rodagem, tiveram um aspecto positivo, pois colocaram um freio ao ritmo do desmatamento, que poderia ter sido ainda mais intenso. Além do mais, se o ramal de São Francisco tivesse alcançado Foz do Iguaçu, margeando o curso desse mesmo rio, como se planejava inicialmente, as florestas de araucária do sudoeste do Paraná teriam se esgotado muito mais rapidamente, e talvez não existissem os remanescentes significativos que ainda persistem naquela região.[9] (THOMÉ, 1983, p.113, 114)
* Miguel Mundstock Xavier de Carvalho (UFSC) Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História
* Eunice Sueli Nodari (UFSC)
Profª. Drª. do Departamento de História
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[1]
As disputas por território entre o Paraná e Santa Catarina vinham de
longa data. Até o acordo de limites em 1916, que estabeleceu as
fronteiras atuais entre os dois Estados, todo o Oeste e Meio-Oeste
atuais de Santa Catarina e grande parte do Planalto Norte eram motivos
de disputas políticas entre paranaenses e catarinenses.
[2] Nilson Thomé (1983) afirmou que a serraria tinha capacidade de produção de
[3] Sobre a produção diária de
[4] No mapa do município de Sengés (PR), da Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, publicada em 1957 ainda aparece uma “serraria Lumber” próxima ao rio Itararé e serra do Paranapiacaba. Não temos informações sobre quanto tempo durou essa serraria.
[5] A serraria de Três Barras também embarcava madeira para São Paulo através da ferrovia.
[6]
O impacto das populações indígenas no meio ambiente é objeto de intenso
debate, e parece estar superada a idéia antiga de que tais populações
vivem/viveram de forma totalmente “harmônica” com o meio ambiente, pois
os indígenas tiveram um papel decisivo na dispersão e concentração das
espécies vegetais e animais dos ecossistemas considerados nativos,
promovendo assim alterações talvez até mais significativas do que se
pensa, embora muitas vezes não causando grandes destruições, como foi o
caso da colonização oficial.
[7] Gauld afirma que a serraria de Três Barras tinha capacidade de produção de
[8]
Para o cálculo da venda do ano de 1916 (aproximado) foi utilizado os
dados de venda dos quatro primeiros meses do ano, citado na p.11 e
multiplicado por três.
[9]
É provável que toda ou grande parte da área do atual Parque Nacional do
Iguaçu (criado em 1939), um dos remanescentes mais significativos da
floresta estacional semidecidual, teria sido devastada se a construção
do ramal de São Francisco a Foz do Iguaçu tivesse sido concretizada.
Aliás, a própria história da colonização no oeste paranaense e no
Paraguai seriam outras, em termos ecológicos, provavelmente pior.